quarta-feira, 28 de novembro de 2007

triste carne


me persegue a vaga omissão
deste chão que não é nosso
esteira secreta da infância
onde levemente nos tocamos

agora é fogo que não queima
face estreita da interminável
esperança

vem
livra-me deste castigo
unge meu corpo de incenso
e me abandona neste vão
súbito do sono

teu adeus

teu adeus molhado

escreveu

mágoas e suspiros


o vazio vesgo dos olhos

rasgou o silêncio

e o vão úmido da noite



teu adeus molhado

pingando nesta boca

que sequer abriu



Ah!Deus






desencanto


não pergunto mais
com tanta insistência
onde vai a história

nem me esforço tanto
na procura da ordem inversa
do sim
do não sem encanto


não quero explicar os fenômenos
as causas das leis
as metas e as físicas


porque me cansa
ter que caravelar pelos Mediterrâneos
de luneta em punho interrogando o mar
sobre aqueles que passaram
como eu

portando mastros e bandeiras
liquidando moscas e insetos

terça-feira, 20 de novembro de 2007

ponteiro da vida

não me entristece mais
a violência dos humanos

porque livre dos mistérios
o dia escorrega
como um ponteiro sobre meu pulso

(há espantos nas ruas
agudas feridas à deriva)

que estalam estradas e nervos
no intinerário pálido do homem
onde o cordão se estica e prende
a umbilical ânsia dos vivos

: quem espia o mundo
entre cárceres e orações
tem sempre a face crua
essa máscara - dura e lívida

surdo compasso

procuro além do zodíaco
a poeira do teu rosto envelhecido

procuro aves e obeliscos
e sei do grave risco
que traz o anverso da pluma
no míssil que jaz
entre um silo e o silêncio

procuro no céu de maio
o manto branco de Deus
asa suspensa se batendo ao sol
e o distante azul das penas

mas súbito avançam
ogivas com asas de tântalo
semeando a simetria das órbitas
e o rebater dos laser-tipos
na entranha de gasta memória

identidade

quanto mais tempo vivo
mais rostos desabam sobre
o meu
( chão de todos )

alguns se partem em pedaços
como a vida sendo lavada
pelos ventos de Chernobyl

e quanto mais procuro
o fio
o condutor dos metais
mais me faço pedra e osso
sobre este chão

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

perdas


(para sempre)
a mais duras das pedras



(para sempre)
a mais fria das vidas

testamento

(declaração)

faço saber que andei
espantei todos os fantasmas
e hoje enfrento a cidade
com as mãos no bolso
e um assobio na boca

(intervalo)

com essa calma soturna
é certo que não me engano
com essa gramática suja
com esses carinhos tão súbitos

(declaração)

faço saber que mudei
depus a arma na gaveta
guardei as sombras no porão

agora planejo fazer canção
ser sentinela dos jardins
inventar outros amigos

(intervalo)

e nunca mais adeus
dos que passaram por acaso
na linha oblíqua do tiro

prisioneiros


será o tempo uma cilada
armada nos cantos das cidades
onde os homens articulam versos
e revoluções?

ou só um ato desatado
num palco de cem cenários
como a cortina deste século
envolta no peso atômico
dos elementos?

será um artifício
que arrebenta a cada instante
as portas escoradas na distância
feito o outro lado do meu corpo andante

a caminhar impune
pelas veias secas dos teus braços?

ou nada há que investigar
nos rostos atônitos das crianças
no cansaço incerto dos passantes?

autocrítica


se me fosse dado
o registro do tempo
diria que lá ficaram
os rebocos dos homens

mas sei agora
que aquelas trincheiras
eram valas visionárias

bem longe de mim

elas vomitavam fogo e sangue
arrebentavam
com seus cheiros insuportáveis
os encantos rebeldes dos homens

novamente desperto
para as coisas perdidas
e não me pesa
as chagas das culpas

eu -
logo eu -
que jamais fui passageiro do Pacífico
que jamais ouvi os sinos de Ilha Negra