domingo, 23 de dezembro de 2007

Mensagem Natalina




2008 tinindo de esperança e paz


dia-logos

não penso a palavra
mudando as pessoas

ela é tão banal
: um bom dia que escapa
no meio da calçada

: um fragmento de amor
solto na tua boca

frágil muito frágil

não penso a palavra
desfazendo a mala
impedindo a partida

é verdade
que ela inventa coisas
faz você pensar

mas é só

passado

nunca pensei
meus poemas atravessando
o tempo
fazendo cócegas
nos teus pés macios
sendo um muro invisível
entre tu e o novo passageiro

nunca pensei
meus poemas povoando
a estante do teu quarto
se aninhando
nas velhas teias de aranha

querendo ser presente
quanto tudo já passou

autópsia

um exercício inútil
: decifrar no esqueleto
a textura da pele
o estúpido segredo

mas são limpos os mortos
nas pegadas das cidades

são limpos os ossos
brancos troços
de alguma história

(o retrato sobre a mesa
é um espaço em trânsito)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

vida-clip


: inclinada na cadeira
completamente imóvel
a morte descansava
no teu corpo

filhas da cidade

há mulheres
que sentam nas calçadas
à espera de quem partiu
como estátuas absortas
em duros pensamentos

outras se cercam de fumaças
e tossem noite adentro
como tísicas condenadas

mas entre todas admiro aquelas
que esquecem os lábios partidos no tempo
os olhos molhados de rímel

e rodopiam pela noite afora
brincando de viver
com os filhos pálidos das cidades

ponteiro da vida


não me entristece mais
a violência dos humanos
porque livre dos mistérios
o dia escorrega
como um ponteiro sobre meu pulso

(há espanto nas ruas
agudas feridas à deriva)

que estalam estradas e nervos
no itinerário pálido do homem
onde o cordão se estica e prende
a umbilical ânsia dos vivos

: quem espia o mundo
entre cárceres e orações
tem a sempre a face crua
essa máscara - dura e lívida

domingo, 9 de dezembro de 2007

tv-lândia

repare um instante

o galo não canta mais
não há quintais nem frutas
pelos cantos das cidades


repare só um instante
na pausa que a noite imprime


o silêncio mortal das crianças
e este zumbido eletrônico
que sobe pelas gargantas das paredes

oração




por que sei dos quatros cantos

dos prantos aos tontos ventos

creio louca a fome dos brancos
esse sede de quem logo advinha
além da sina o passo que caminha


por que sei do sinos silentes

das dores em danças de duendes

pouso minha mão sobre o Livro
para que a insígnia do peixe
não morra na ponta deste anzol

por que sei mortos os encantos
dos enganos aos vivos espantos

escrevo a ferro o torto nome
mas o santo a quem faço a jura

não doma a alma dessa criatura

disfarce

reter é se exaurir
correntes de duras pedras
nunca mais lições insuladas
na excisão de exausta memória


tenho no estreito vão do corpo
( a segregar tonta e pálida)
a estima débil pelos postes
onde a luz embuça o artifício
de aqui sofrer declinante dor


o que transita em tuas veias
é o sangue escuro do temor
a desfolhar em graves teias
as coisas simples dos homens


retenho
- por teimoso que sou -
as velhas cantigas de rodas
e confesso a moribunda sorte
de passar condescendente
sobre as sementes do asfalto

estrangeiro

este quarto este espelho
que me fita e a nada me reduz
essa luz que me fere de esguelha
traz em si minhas duras parelhas

espaço onde armo minhas redes
ouço o ranger de elos e dentes
aqui onde a direção se perde
nenhum lugar há que desconheça

este quarto este momento
em que a mão se põe suspensa
e a voz se faz lamento
além do desespero e da face tensa
tenho o fogo do tormento

neste quarto entre tais paredes
onde o corpo se despe por inteiro
sinto a distância fria dos intrusos
como se fosse eu um estrangeiro

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

triste carne


me persegue a vaga omissão
deste chão que não é nosso
esteira secreta da infância
onde levemente nos tocamos

agora é fogo que não queima
face estreita da interminável
esperança

vem
livra-me deste castigo
unge meu corpo de incenso
e me abandona neste vão
súbito do sono

teu adeus

teu adeus molhado

escreveu

mágoas e suspiros


o vazio vesgo dos olhos

rasgou o silêncio

e o vão úmido da noite



teu adeus molhado

pingando nesta boca

que sequer abriu



Ah!Deus






desencanto


não pergunto mais
com tanta insistência
onde vai a história

nem me esforço tanto
na procura da ordem inversa
do sim
do não sem encanto


não quero explicar os fenômenos
as causas das leis
as metas e as físicas


porque me cansa
ter que caravelar pelos Mediterrâneos
de luneta em punho interrogando o mar
sobre aqueles que passaram
como eu

portando mastros e bandeiras
liquidando moscas e insetos

terça-feira, 20 de novembro de 2007

ponteiro da vida

não me entristece mais
a violência dos humanos

porque livre dos mistérios
o dia escorrega
como um ponteiro sobre meu pulso

(há espantos nas ruas
agudas feridas à deriva)

que estalam estradas e nervos
no intinerário pálido do homem
onde o cordão se estica e prende
a umbilical ânsia dos vivos

: quem espia o mundo
entre cárceres e orações
tem sempre a face crua
essa máscara - dura e lívida

surdo compasso

procuro além do zodíaco
a poeira do teu rosto envelhecido

procuro aves e obeliscos
e sei do grave risco
que traz o anverso da pluma
no míssil que jaz
entre um silo e o silêncio

procuro no céu de maio
o manto branco de Deus
asa suspensa se batendo ao sol
e o distante azul das penas

mas súbito avançam
ogivas com asas de tântalo
semeando a simetria das órbitas
e o rebater dos laser-tipos
na entranha de gasta memória

identidade

quanto mais tempo vivo
mais rostos desabam sobre
o meu
( chão de todos )

alguns se partem em pedaços
como a vida sendo lavada
pelos ventos de Chernobyl

e quanto mais procuro
o fio
o condutor dos metais
mais me faço pedra e osso
sobre este chão

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

perdas


(para sempre)
a mais duras das pedras



(para sempre)
a mais fria das vidas

testamento

(declaração)

faço saber que andei
espantei todos os fantasmas
e hoje enfrento a cidade
com as mãos no bolso
e um assobio na boca

(intervalo)

com essa calma soturna
é certo que não me engano
com essa gramática suja
com esses carinhos tão súbitos

(declaração)

faço saber que mudei
depus a arma na gaveta
guardei as sombras no porão

agora planejo fazer canção
ser sentinela dos jardins
inventar outros amigos

(intervalo)

e nunca mais adeus
dos que passaram por acaso
na linha oblíqua do tiro

prisioneiros


será o tempo uma cilada
armada nos cantos das cidades
onde os homens articulam versos
e revoluções?

ou só um ato desatado
num palco de cem cenários
como a cortina deste século
envolta no peso atômico
dos elementos?

será um artifício
que arrebenta a cada instante
as portas escoradas na distância
feito o outro lado do meu corpo andante

a caminhar impune
pelas veias secas dos teus braços?

ou nada há que investigar
nos rostos atônitos das crianças
no cansaço incerto dos passantes?

autocrítica


se me fosse dado
o registro do tempo
diria que lá ficaram
os rebocos dos homens

mas sei agora
que aquelas trincheiras
eram valas visionárias

bem longe de mim

elas vomitavam fogo e sangue
arrebentavam
com seus cheiros insuportáveis
os encantos rebeldes dos homens

novamente desperto
para as coisas perdidas
e não me pesa
as chagas das culpas

eu -
logo eu -
que jamais fui passageiro do Pacífico
que jamais ouvi os sinos de Ilha Negra

terça-feira, 23 de outubro de 2007

tempo seco


esta noite é turvo o sereno
mas o corpo inteiro acalenta
o desfiar do terço em rezas

a alma - cera derretida - dança
em plena liturgia do medo
o feitiço de todas as sombras

esta noite é longa a espera

o tempo achovalhado fere
o duro e seco chão humano
sangra esse silêncio úmido
e o meu noturno desencanto

esta noite é inútil a angústia

sábado, 20 de outubro de 2007

Cassiano Nunes


Meu irmão,
por onde ande
não cale sua voz
"como os gritos
roucos dos navios"
a nos banhar de acalantos
a própria vida.

trem da morte

apito de trem
roendo a alma
( ou o que dela

sobrou)

verme vermelho

ferrugem
no aro do tempo

tem ainda

a espreita da ronda
e o umbral da morte


sexta-feira, 19 de outubro de 2007

pacto

sinto os leves vestígios
da tua alma: nenhuma confissão
é necessária

( os corpos em desencontros
guardam a dor para depois )


no teu colo apenas o suor
de quem parte ao encontro
das bocas: não mais o sal
não mais a angústia
não mais ...


e você
guerreira urbana
qual uma serpente
me seduz

UNE-VERSOS

Foi assim, primeira vez, todos ansiosos.
O receio era evidente, mostrar aos outros, mostrar-se, desvendar-se.
Foi o começo, os versos primeiros. Não aqueles do coração, dos ardentes e sôfregos ais de amor. Mas, os primeiros dos outros, daqueles que leram e disseram sim!
Comparações, as inevitáveis comparações. Três coisas distintas,
três partes diferentes do ser. Mas, ali todos perseguiam a tal chamada unidade. Os une-versos. Exigência óbvia dos tempos!
Une-versos reuniu outras coisas mais importantes que versos.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

meu tempo

essa ampulheta
sobre a mesa da vida
mede o sussurro dos lábios
e a foice do tempo

essa mesma areia
que prende afunda
e queima
mais soterra o que
dela retiro
a toda ferrugem da morte

essa areia
nos vértices da alma
entre vultos de arcanjos
corrói o corpo
e promete a ardência do fogo

"A poesia não se propõe consolar o homem da morte, mas fazer com que ele vislumbre que a vida e a morte são inseparáveis: são a totalidade. Recuperar a vida concreta significa reunir a parelha vida-morte, reconquistar um no outro, o tu no eu, e assim descobrir a figura do mundo na dispersão de seus fragmentos."
Octávio Paz

(do diário de Lívia )

serei teu marinheiro
porto ou vagante

quando em noites marítimas
vagares pelos cais dos mundos


e qualquer dia
sairei pela escuridão das docas

me encostarei nos bares
e beberei teus olhos úmidos de sal


(enquanto teu corpo
aberto a todos os homens
naufraga nas costas do Atlântico)



segunda-feira, 15 de outubro de 2007

meu cão

dentro de mim
um chão de esguelha
me vigia

dentro de mim
um cão
se dabate
e late e fere

feito mim
um vigia do não

(e a culpa que meu coração
não mais abriga)


Rescaldo

já somos passado

não há o que limpar
no assoalho das antigas barricadas
- quem sujou as mãos
que procure um chão mais sólido
nada de falsas moções
meias orações

sendo tarde
há ferrugens nas armas
desalento nas trincheiras
(agora nada de sofrer à-toa)

há só que guardar
em definitivo
esse velho vestido desbotado


infância

no centro dos meus olhos
o mundo girava

nesta época
as mangueiras davam flores
Tânia Mara passava
carregando seus cadernos
como se carregasse
os segredos dos homens

bem na frente de casa

o mundo girava
girava a escola
o pão mofado na merendeira
o rio preso no mapa

bem no meio da tarde

nesta época
morrer era um mistério
meu avô erguia a bengala
apontava para o horizonte
e dizia que lá
- depois do fim -
nascia livre e límpida
uma cordilheira